Como ser eterno. Por Rodrigo Normando

Artigo de Rodrigo Normando publicado originalmente no site Obvious (http://lounge.obviousmag.org/it_is_alive/2013/11/como-ser-eterno.html?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+OBVIOUS+%28obvious+magazine%29)

No mundo das artes muito se produz; muito se perde; outro tanto não se entende. Há, no entanto, aquelas obras – nem todas primas – que se enraízam em uma terra conceitual, que florescem, amadurecem e morrem, e depois da morte são revistas, têm suas páginas revisitadas, seus traços imitados. Torna-se assim eterna. Bill Waterson é pai de uma obra eterna.

Em 1985 um menino em uma tirinha apareceu, de forma irônica, ele não fora concebido para ser o personagem principal, posto que era, apenas, o irmão mais novo do protagonista. Todavia, algo peculiar nessa personagem chamou os olhares dos syndicates que Bill Waterson – o pai da personagem na vida real – havia enviado. Waterson então dedicou-se integralmente a dar vida ao seu mais novo filho: Calvin e de brinde Haroldo.

Calvin e Haroldo, por Bill Waterson - Aqui Haroldo, o tigre, nos é apresentado como Calvin o vê.

Calvin e Haroldo, por Bill Waterson – Aqui Haroldo, o tigre, nos é apresentado como Calvin o vê.

Calvin é um menino que terá eternamente seis anos de idade e um tigre de pelúcia. Uma personagem cuja imaginação dá vida ao seu bichinho de pelúcia e nos incendeia com percepções aguçadas a respeito da nossa sociedade enquanto um algo, que pensamos ser, estável. Embora ambas as personagens, Calvin e Haroldo, sejam um só, que é o menino em si, há diferenças absurdas entre as personalidades que, ora se completam, ora divergem.

Tirinha #615 de 26 de Julho de 1987.

Tirinha #615 de 26 de Julho de 1987.

Talvez Calvin viva em um mundo que nunca será real, embora tenha existido e continue existindo, um mundo que se chama ‘infância’ e no qual Calvin estará condicionado para sempre por Waterson. Contradizendo o estilo de trabalho do mundo moderno, Waterson nunca quis vender o Calvin, digo; embora recebesse pelas tirinhas, ele jamais aceitaria que a imagem de Calvin e Haroldo virasse cartoon, camisetas, canecas, filmes, séries, justamente por algo que Goethe, certa vez, parafraseou Aristóteles dizendo – A arte não deve ser barganhada.

Calvin e Harold em 'O Episódio Final' - por um fã anônimo. Aqui parece que Calvin foi diagnosticado como hiperativo e, agora, toma remédios para ser 'normal'.

Calvin e Harold em ‘O Episódio Final’ – por um fã anônimo. Aqui parece que Calvin foi diagnosticado como hiperativo e, agora, toma remédios para ser ‘normal’.

Como resposta à tira anterior outro fã, igualmente anônimo, produziu a tira acima.

Como resposta à tira anterior outro fã, igualmente anônimo, produziu a tira acima.

Tira produzida por Donald Trump, empresário e apresentador norte americano.

Tira produzida por Donald Trump, empresário e apresentador norte americano.

 

 

Eis o que Bill Waterson, recentemente, disse a um jornalista sobre adaptar Calvin e Haroldo para outras mídias:

“A sofisticação visual da Pixar é de tirar o folego, mas eu não tenho nenhum interesse em fazer uma animação Calvin e Hobbes. Se você já comparou um filme com um livro, você percebe que o livro é mais íntimo. É inevitável, porque os diferentes meios de comunicação têm diferentes pontos fortes e necessidades. Como uma história em quadrinhos, Calvin e Haroldo funciona exatamente do jeito que eu pretendia que funcionasse. Não há nenhuma vantagem para mim em adaptá-lo.”

No fim das contas, fechar o livro de Calvin e Haroldo, que pode ter sido uma decisão difícil, não fez nada senão imortalizar uma tirinha como nunca se fez antes. O lado negativo da história é que dentro de algumas décadas os imortais de Bill Waterson entrarão para o domínio público e, sendo de qualquer um, há fortes dúvidas quanto o respeito do próximo pela história e seus motivos.

Última tirinha de Calvin e Haroldo, publicada em 31 de Dezembro de 1995. Parece que o fim é, em si, um recomeço.

Última tirinha de Calvin e Haroldo, publicada em 31 de Dezembro de 1995. Parece que o fim é, em si, um recomeço.